Eventos adversos e o médico em especialização

Por André Luis Ottoboni e Claudia Marquez Simões

O ambiente de ensino difere do ambiente puramente assistencial em diversos aspectos, podendo ter implicações também relacionadas à segurança do paciente. Neste processo, alguns elementos podem ser extremamente favoráveis, como: o acesso a novas tecnologias e conceitos de ponta pelo ambiente didático, além de um ambiente com proteção redundante conferida pelo professional em formação e seu preceptor que está realizando a supervisão direta.

Por outro lado, um fator que pode prejudicar a atuação segura e tornar o cuidado frágil é o fato de que muitas vezes as diversas instituições de ensino possuem grande número de pacientes para cada professional de saúde. Neste contexto, pode-se destacar o recente crescimento de instituições privadas que tem o ensino associado, agregando o melhor dos dois cenários, como as tecnologias de ponta, atualização e cuidado redundante associado a uma proporção adequada de profissionais de saúde para uma menor proporção de pacientes.

Os médicos em formação têm um grande contato com pacientes e seus familiares e/ou cuidadores, além de um intenso contato com as diversas equipes assistenciais que interagem com o paciente, deixando-o em uma situação privilegiada de acesso à informação e com uma visão única do cuidado global do paciente.

Já foi demonstrado que os médicos em especialização, principalmente da área cirúrgica, incluindo a anestesia, são os que mais relatam eventos adversos1. Muitas são as possíveis justificativas para este achado, que variam desde a possibilidade de identificação precoce dos eventos anestésico-cirúrgicos até mesmo a cultura de discussão e relatos de complicações nesta área. O número de eventos adversos relatados foram maiores conforme o número de horas trabalhadas por semana aumentava, na maior parte acima de 80 horas semanais, reforçando a importante relação entre segurança e descanso dos profissionais de saúde2.

Um ambiente exigente, com alta demanda assistencial associado ao medo de críticas de colegas de equipe, cirurgiões e enfermagem, pode fazer com que um médico em especialização (ME) em anestesiologia hesite em comunicar dúvidas ou problemas aos seus preceptores. Conhecer conceitos sobre segurança do paciente e entender como se conduz um evento adverso, buscando a melhoria contínua, são pontos essenciais para tentar reduzir o efeito da pressão e estresse do ambiente cirúrgico e envolvê-los na cultura de segurança3.

Com este objetivo, há alguns anos, introduzimos atividades relacionadas ao serviço de segurança e qualidade integradas aos estágios dos médicos em especialização. Ao participar de discussões de casos, análise de eventos e auxiliarem a construção de planos de ação os médicos em especialização tornam-se importantes defensores da cultura de segurança e podem auxiliar a melhoria contínua da assistência.  Hoje no Brasil começamos a ter a visão dos principais eventos adversos associados a anestesia através dos relatos do diário de bordo (logbook) dos MEs4.

Devemos ter em mente que provavelmente pode haver subnotificações dos eventos neste cenário por eventuais receios de retaliações ou até mesmo do desconhecimento de como tais casos podem vir a ser conduzidos nos mais diferentes centros formadores.  O melhor cuidado dos profissionais em formação pode auxiliar a melhorar a retenção de conhecimentos, reduzir o esgotamento, diminuir os eventos adversos e ainda melhorar o atendimento ao paciente. Isto posto, fica claro que são necessárias mudanças estruturais e sistêmicas nos modelos de formação e até mesmo de assistência5.

Tais mudanças podem exigir uma reformulação completa do que significa ser um médico em treinamento hoje e também do processo de ensino aprendizagem, podendo auxiliar a formação de melhores profissionais e ainda melhorar a qualidade da assistência reduzindo eventos adversos.

Referências bibliográficas:

  1. Jagsi R, Kitch BT, Weinstein DF, Campbell EG, Hutter M, Weissman JS: Residents Report on Adverse Events and Their Causes. Arch Intern Med 2005; 165:2607–13
  2. Laine C, Goldman L, Soukup JR, Hayes JG: The Impact of a Regulation Restricting Medical House Staff Working Hours on the Quality of Patient Care. JAMA 1993; 269:374–8
  3. Pursell A: Residency, Provider Performance and Patient Outcome. ASA Monit 2019; 83:48–48
  4. Pavão ALB, Mattos S, Silva E, Laguardia J, Doellinger V, Curi E, Casali T, Takaschima A, Almeida A, Albuquerque M, Nunes R: Adverse events in anesthesiology: analysis based on the Logbook tool used by specializing physicians in Brazil. Rev Bras Anestesiol 2019; 69:461–8
  5. Wolpaw JT: It Is Time to Prioritize Education and Well-Being Over Workforce Needs in Residency Training. Acad Med 2019; 94


Você já ouviu falar em Segurança II?

Dr. Luis Antonio Diego, diretor de Defesa Profissional da SBA

Quase no despontar do novo milênio, dentre todas as dimensões da Qualidade do Cuidado na Saúde, a Segurança do Paciente destacou-se como aquela que merecia a maior parte da atenção. Em 1999, a publicação “Errar é Humano”, do Instituto de Medicina estadunidense foi a principal responsável por essa onda que só vem crescendo no setor saúde.

Concentrando-se na detecção, na compreensão e na prevenção dos eventos adversos evitáveis, foi-se construindo uma estrutura, já robusto, para minimizar os danos que ocorrem em consequência desses eventos adversos. Este arcabouço, deflagrado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com o acordo multinacional de uma Aliança para a Segurança do Paciente, permitiu o desenvolvimento de programas de prevenção das principais causas desses eventos adversos como, por exemplo: a infeção hospitalar, a segurança cirúrgica e o uso seguro de medicamentos, ou seja, esforços concentrados nas causas estudadas e, portanto, já com uma probabilidade razoável de ocorrerem.

Esses programas procuraram expor as origens desses eventos aos gestores e aos profissionais mais diretamente inseridos na assistência, e, em sequência, medidas que pudessem vir a impedir suas ocorrências. Assim, as tecnologias e as ferramentas existentes na segurança de outras organizações de alta complexidade, como a aviação comercial e geração de energia nuclear, por exemplo, foram “ajustadas” para atender às demandas do setor saúde. Essas mudanças promoveram transformações não só na prática assistencial, mas também, e certamente ainda mais importante, no maior entendimento da Cultura da Segurança.  

Corridas duas décadas desse frutífero esforço global, começou-se a questionar se não haveria um outro modo de se impulsionar ainda mais a Segurança do Paciente. Uma das propostas parece vir, novamente, de fontes externas ao setor, mais especificamente da Engenharia da Resiliência.

Resiliência, no campo da engenharia, é definida como a capacidade de uma organização funcionar − conforme o necessário − sob condições esperadas e inesperadas. Os princípios da Engenharia da Resiliência foram, inicialmente, explorados na saúde em 2001 por Erik Hollnagel, o qual entendeu não bastar a “imposição” de ações preventivas para impedir a ocorrência dos eventos adversos.

Em determinado momento, ele observou, inclusive, uma crescente insatisfação com as abordagens estabelecidas para as análises de segurança e gestão da segurança. A engenharia de resiliência, portanto, poderia vir a oferecer uma nova interpretação da gestão da segurança. O resultado foi que, mais recentemente, a aplicação específica dos princípios da engenharia de resiliência aos cuidados de saúde tornou-se um campo de atividade por si só denominado Resilient Health Care.

Então, a partir deste momento, o conceito de Safety II (Segurança II) se firma com a proposição de uma maior investigação das práticas cotidianas que, embora variáveis e oscilantes entre os limites da superação de expectativas e da prática inaceitavelmente insegura, permite que a maioria do que se é realizado dê certo. O foco da Segurança II deve ser no que acontece regularmente e não no que raramente ocorre (eventos adversos evitáveis, principalmente com dano), objeto da Segurança I. Como na Engenharia da Resiliência, a proposta é que, além da monitoração e controle do que dá errado (Segurança I), também se possa continuar olhando o que dá certo (Segurança II), principalmente em situações novas e inesperadas que intercorrem a inovação sociotecnológica.

A pergunta que muitos anestesiologistas farão: como isso é na nossa prática? As listas de verificação, instrumentos de handoff e aprimoramento na administração segura de medicamentos vão continuar e podem melhorar, mas vamos ter que passar a ter um olhar mais atento nas práticas com resultado positivo, principalmente nos procedimentos de maior risco, ser proativo e não apenas reativo, perceber como a flexibilização da conduta resolveu um problema novo e, quando o evento adverso ocorrer, não só investigar com o objetivo de identificar a causa raiz − as falhas no processo − para impor mais barreiras, mas também ter um olhar mais longitudinal em todo o processo na tentativa de entender como o “certo” ocasionalmente “dá errado”.


Qualidade e Segurança no 1º Congresso Virtual de Anestesiologia

Dr. André Luis Ottoboni, presidente da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesia da SBA

Nos dias 31 de outubro, 01 e 02 de novembro tivemos o nosso 1 Congresso Virtual de Anestesiologia, que, como todos sabem, foi um sucesso na organização, temas e de público.

Tivemos dentro do Núcleo de Qualidade e Segurança em Anestesia, assim como em Gestão, assuntos muito importantes discutidos por nossos palestrantes convidados, temas que trataram de ferramentas e formas clássicas para a abordagem da segurança e qualidade, onde nos baseamos em coletas de indicadores de qualidade e relatos de “eventos adversos”, ou mesmo “situações de risco” ou “quase erro que, através de investigação racional e sistemática, nos levam a construir propostas de planos de ações com melhorias na assistência anestésica em nossas instituições e para os nossos pacientes .

Abordagens sobre Gestão de Risco e sobre como lidamos com o mapeamento de risco dentro do nicho anestésico foi um tema discutido de forma madura e estabelecida. Também foram abordadas questões sobre as novas formas de se estudar a qualidade e segurança, inseridas em um sistema complexo (CAST-Análise Causal Baseada na Teoria Sistêmica), como forma de enxergarmos que a nossa atuação não é solitária, mas sim inserida num rico contexto que nos leva a maiores ou menores possibilidades de falhas dependendo de como possa ser desenhado.

Palestras que nos fizeram refletir que, apesar deste ambiente assistencial complexo comparável a setores como aviação e usinas nucleares, devemos nos debruçar e entender o porquê termos sucesso (Safety II), estudarmos o que nos leva a nos adaptarmos aos contextos do dia a dia e entregar valor em saúde, mesmo existindo riscos e eventos adversos.

Foi abordada ainda a necessidade dos Anestesistas desenvolverem habilidades não técnicas (Soft Skills), comunicação efetiva, adesão ao handoff e participar de rondas de seguranças, sendo motores em suas instituições para se assegurarem a melhor assistência para nossos clientes.

Muito se falou na entrega de valor em anestesia com uma visão que sintetiza os conceitos citados acima e do quadruple AIM. Precisamos entender os nossos processos assistenciais, coletar nossos dados, propor novos modelos de atuação, entender as mudanças no modelo de financiamento em saúde, treinar nossos anestesistas e apoiá-los .

Ficou uma impressão muito boa de que estamos no caminho certo, vendo núcleos de qualidade e segurança com conceitos maduros espalhados pelo Brasil, discutindo de uma maneira tão competente, como neste Congresso, contando com o apoio da SBA e das Regionais.


Veja as 13 medidas para melhorar a saúde mental

Durante a realização da oitava edição do Simpósio de Saúde Ocupacional (Siso) (26), dr. Antônio Egidio Nardi, professor titular de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Academia Nacional de Medicina e da Academia Brasileira de Ciências, apresentou 13 medidas que podem ser adotadas pelo anestesiologista para controlar a ansiedade e o estresse.

1 – Praticar atividade física regular;
2 – Trabalhar e estudar em horários adequados. “A internet permite que nós possamos fazer isso a qualquer hora, então muitas pessoas começam a trocar o dia pela noite e isso é muito ruim para saúde mental”, disse o psiquiatra;
3- Ler;
4- Telefonar e encontrar amigos, mesmo que pelos meios digitais;
5- Evitar pensamentos negativos, principalmente o excesso de informação sobre a pandemia que a mídia nos traz, fazendo com que a pessoa sai de entrada com aumento da ansiedade. “Se informe, mas não em excesso e rocure orientações nas associações e canais oficiais”;
6- Procure orientação especializada e segura;
7 – Tenha um horário de sono adequado;
8 – Aprecie a companhia de quem mora com você;
9-  Evite desentendimento;
10 – Tenha momentos de reflexão, meditação e descanso;
11- Alimente-se de forma adequada;
12 – Evite exageros em álcool;
13 – Principal de tudo. Em caso de sofrimento emocional, procure ajuda especializada em serviços de psiquiatria e psicologia.

Leia também:
> Palestras destacam o autocuidado como essencial para a qualidade de vida
> Revisão da Carta de Recife e pensamento coletivo são destaques no Siso
> Drogadição e anestesiologia são discutidas no Siso 2020
> Dificuldades e expectativas do anestesiologista na prática clínica diária


Palestras destacam o autocuidado como essencial para a qualidade de vida

Os impactos da ansiedade e da tristeza na saúde mental em períodos de crise, assim com as ações desenvolvidas pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) na tratativa desta questão foram assuntos abordados na última edição do Simpósio de Saúde Ocupacional (Siso), realizada no dia 26 de setembro. A segunda mesa-redonda do dia contou com a palestra do dr. Marcos Antonio Costa de Albuquerque, vice-diretor do Departamento Científico da SBA e idealizador do Núcleo do EU, e o dr. Antônio Egidio Nardi, professor titular de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Academia Nacional de Medicina e da Academia Brasileira de Ciências.

Dr. Egidio fez um panorama da ansiedade e tristeza não especificamente na pandemia, mas sobre todos os períodos durante a vida profissional, trazendo a palavra MEDO como central para a discussão do tema.  “O medo é uma reação normal nesse momento, mas existem alguns fatores que aumentam esse medo e a nossa ansiedade, que é o desconhecido. existe muita coisa desconhecida em relação à Covid-19″. De acordo com o especialista, essa incerteza sobre a economia, a vacina e até sobre o novo normal afeta a forma como as pessoas se relacionam.

Dr. Egidio também trouxe a reflexão o Setembro Amarelo visto através do ponto de vista médico. Para contextualizar, o especialista referenciou a mitologia grega na figura de Quíron, um centauro que tinha a habilidade de curar o outro, mas não conseguir curar a ferida em sua perna, o que o levou a tentar suicídio algumas vezes. “Médico é grupo de risco para o suicídio, basta ver os casos dos Estados Unidos, onde o número pode chegar a 400 por ano”.

Preocupado com a ciência do bem-estar e da autorrealização a SBA desenvolveu o Núcleo  do Eu que tem a finalidade de buscar o autocuidado e o autogerenciamento. “Como podemos envolver os colegas trabalhando os aspectos psicoemocionais, de espiritualidade e gerenciamento financeiro, porque todos esses pilares são importantes para melhorarmos a nossa qualidade de vida”.

Idealizado pelo dr. Marcos Antonio Albuquerque, o grupo inicialmente montado já realizou inúmeros encontros ao longo de 2020. Atualmente,  o Núcleo do Eu está em fase de estudos para estar disponível aos médicos em especialização no próximo ano. “A nossa finalidade não é cuidado do adicto, do alcoólatra ou  do suicida, mas do autogerenciamento. O quanto cada um de nós pode dedicar da nossa vida a alimentação, a prática do exercício e o quanto tudo isso pode influenciar, inclusive, na melhora do exercício da nossa profissão e na qualidade de atendimento aos nossos pacientes” .

Leia também:
> Revisão da Carta de Recife e pensamento coletivo são destaques no Siso
> Drogadição e anestesiologia são discutidas no Siso 2020
> Dificuldades e expectativas do anestesiologista na prática clínica diária
>Veja as 13 medidas para melhorar a saúde mental


Revisão da Carta de Recife e pensamento coletivo são destaques no Siso

A oitava edição do Simpósio de Saúde Ocupacional (Siso) foi realizada no último sábado, dia 26, e trouxe para a discussão temas como ansiedade, depressão, drogadição e o conflito existente entre as gerações. O evento foi dividido em três mesas-redondas, além de momentos destinados para a revisão dos compromissos firmados na Carta de Recife. O encontro teve o objetivo de discutir e conscientizar os anestesiologistas brasileiros sobre a importância de exercer sua profissão sem deixar de lado a saúde física e mental.

Já na cerimônia de abertura foi destacada a importância do Siso para a discussão da profissão e o desenvolvimento de ações com foco no profissional. Dr. Rogean Rodrigues Nunes, diretor presidente da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA), destacou o envolvimento das Regionais como importante nesse processo e a Carta de Recife como um documento importante para o trabalho do anestesiologista.

“No sexto Siso houve a confecção da  Carta (de Recife), onde alguns pontos foram enumerados que se estendem ao médico em especialização. O nosso trabalho começa na especialização até para termos um anestesioligista com melhor capacidade física e mental”. Dr. Rogean destacou que, dada a importância desse documento, ele será traduzido para o inglês e espanhol para internacionalizar suas intenções e ações da SBA.

Em suma, a Carta de Recife nasceu dessa urgência em disseminar informações, protocolos, promover o debate e iniciativas efetivas para garantir padrões mínimos de promoção do bem-estar ocupacional dos anestesiologistas recomendados pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia. Durante o Siso, após a apresentação dos resultados das regionais signatárias do documento, os diretores de Defesa Profissional presentes assumiram o compromisso de atuar juntos, em grupos, para a atualização do documento e apresentação de novas propostas.

O trabalho coletivo mostrado no encerramento do Siso também foi destacado pelo diretor vice-presidente da SBA, dr. Augusto Key Karazawa Takaschima. “Todas as ações na mudança de hábitos e colocar em prática o que devemos aprender aqui hoje sobre a saúde ocupacional envolve esse espírito coletivo”.

Para o diretor de Defesa Profissional da SBA, dr.  Luis Antonio dos Santos Diego, o Siso é um momento importante para os anestesiologistas poderem refletir sobre a prática diária e a própria saúde. “Falar sobre a saúde ocupacional dos médicos é tratar da segurança do paciente, uma vez que ambas estão ligadas pelo laço da qualidade da prestação do serviço”, disse. O diretor acrescenta que: “É necessário abordar questões que ainda são tabus para a categoria para que desta forma seja possível evoluir na importância do trabalho dos anestesiologistas”.

Acesse os vídeos da abertura e Carta de Recife abaixo:

Abertura

Carta de Recife

Leia também:
> Palestras destacam o autocuidado como essencial para a qualidade de vida
> Drogadição e anestesiologia são discutidas no Siso 2020
> Dificuldades e expectativas do anestesiologista na prática clínica diária
>Veja as 13 medidas para melhorar a saúde mental


Drogadição e anestesiologia são discutidas no Siso 2020

A dependência química é definida como doença mental caracterizada por desordens neurobiológicas e comportamentais que resultam no uso compulsivo de drogas e no intenso desejo de obtê-las. Para discutir o tema, edição 2020 do Simpósio de Saúde Ocupacional (Siso), promovida pela Sociedade Brasileira de Anestesiologia no dia 26 de setembro, reuniu um grupo de especialistas para falar sobre as considerações legais referente ao tema quando se pensa em anestesiologia.

Em fase inicial de execução, a Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo (Saesp) está desenvolvendo o Programa WE CARE, um espaço de acolhimento aos envolvidos no circulo da dependência. Ele tem o objetivo de alertar a sociedade em geral sobre os prejuízos à saúde física, emocional e econômica do dependente químico; facilitar o diagnóstico precoce; promover a introdução ao tratamento qualificado e altamente especializado; promover o suporte e orientação dos familiares; e auxiliar na reinserção do paciente em ambiente de trabalho quando recuperado.

A presidente da Saesp, dra. Rita de Cássia Rodrigues, alertou para o acesso facilitado a essas drogas. “As especialidades com mais incidência são os intensivista, os anestesiologistas e os emergencistas, possivelmente porque junta o estresse, a fadiga e a fácil utilização dessas substâncias. Acredita-se que 10% dos anestesiologistas fazem uso dessas substâncias psicoativas”.

Na sequência das falas sobre o tema, o dr. André Luis Ottoboni, presidente da Comissão de Qualidade e Segurança em Anestesia da SBA, destacou o impacto da dependência química na prática do anestesiologista e a segurança do paciente. “Gostaria de chamar atenção da necessidade de haver uma cultura de segurança madura, onde a gente consiga discutir todas as situações ocorridas de maneira clara, objetiva e procurando solucionar os problemas para os nossos pacientes ou para o nosso anestesistas”.

De acordo com o dr. Ottoboni, a existência dessa cultura está diretamente ligada a cultura justa e ao apoio a segunda vítima, uma vez que funcionam como um tríade. “A gente precisa sair da cultura punitiva, onde se eu relatar um evento que aconteceu comigo eu tenha medo de ser punido pela instituição, chefe ou colegas, então esse ambiente de comunicação livre tem que trazer um aprendizado coletivo, criar um sistema de comunicação. É necessário se criar um sistema de comunicação que favoreça as pessoas a relatar seus desconfortos e eventos adversos e que com isso criáramos um ambiente de aprendizado para todos”.

Jurisprudência e o perfil do médico

O advogado dr. Celso Papaleo, ao identificar o perfil do médico que tem grande número de processo por questão de erro médico, descobriu que, para eles, alguns pilares não estavam sólidos. “Espiritualidade, financeiro, família, todos são workaholis e o principal, eles deixaram de enxergar o paciente como um ser humano, passando a vê-lo como uma mera peça de uma organização empresarial que trazia para ele lucro”.

O advogado acrescentou que não levar essas questões em consideração gera o quadro clinico de ansiedade, depressão e burnout. “O diferencial (quando comparado aos outros) é que eles acham que o problema não é com ele. Somando tudo isso, ele começa a trilhar um caminho de autoprejuizo que evoluí para o erro médico”.

Dados da Organização Mundial da Saúde (2018) mostram que, dos países que mais processam os médicos, o Brasil está em segundo  com 7.5%, atrás dos Estados Unidos com 9%. “Acredito que em 2020 e 2021 o Brasil irá se igualar ou superar os Estados Unidos”.

Sobre o retorno após recuperação de drogadição, a magistrada dra. Andréa Detoni afirmou que é necessário promover para esse trabalhador um ambiente saudável. “Artigo 5º  diz que toda propriedade precisa atender essa função social; o art. 7º fala que todos os trabalhadores eles precisam que todos a redução dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho; e a questão do artigo 200 e 225 que falam que ambiente laboral deve proporcionar ao trabalhador um ambiente com toda a potencialidade boa para o exercício da profissão”.

Andrea destaca que há vários dispositivos que garantem o retorno ao ambiente de trabalho, como o princípio da não discriminação previsto na lei 9029/95, a qual proíbe qualquer prática discriminatória. “A gente sabe que determinadas doenças causam certo estigma para aquela pessoa que conta, então a gente tem que amparar esse esse trabalhador no retorno dele ele exercer o seu labor de forma plena”.

A palestra contou com a moderação do dr. Pablo Britto Detoni, presidente da Comissão de Saúde Ocupacional, e está disponível integralmente abaixo:

Leia também:
> Palestras destacam o autocuidado como essencial para a qualidade de vida
> Revisão da Carta de Recife e pensamento coletivo são destaques no Siso
> Dificuldades e expectativas do anestesiologista na prática clínica diária
>Veja as 13 medidas para melhorar a saúde mental


Dificuldades e expectativas do anestesiologista na prática clínica diária

A última mesa do Simpósio de Saúde Ocupacional (Siso), realizado em 26 de setembro, trouxe o conflito da gerações para o debate. De uma forma bem didática, os palestrantes abordaram as características de cada geração, como as expectativas e dificuldades enfrentadas por eles no mercado de trabalho e sociedade como um todo.

Geração Baby Boomers – nascido entre 1945 e 1960 – Dr. Antonio Roberto Carraretto, professor de Anestesiologia na UFES, responsável CET HUCAM-UFES e membro da Comissão de Saúde Ocupacional da SBA.

A expressão Baby Boomers pode ser livremente traduzida como “explosão dos bebês”. Esse fenômeno se explica pela volta dos combatentes da Segunda Guerra Mundial, que, como uma espécie de ação compensatória pelas vidas ceifadas em batalhas e também pela preservação da espécie, aumentaram a taxa de natalidade.

Segundo dr. Carrareto, o representante da geração no painel, esta é uma geração que encara a responsabilidade como um ponto alto e que teve maior durabilidade como geração por conta do aumento da expectativa de vida. “O Baby Boomer é um idealista, combativo, tem um espírito coletivo porque quer ver todo mundo bem, tem compromisso com o que faz, gosta da instituição, muitos assumiram o emprego dos pais e foi uma geração que se engajou em lutas políticas. Para fazer isso tudo eles são muito disciplinados e têm uma tendência a fazer carreira”.

As maiores inovações em tecnologia e segurança da anestesia hoje, segundo o painelista, foram trazidas por essa geração nas décadas de 1980 e 1990. “Começaram a aparecer os monitores, a oximetria pulso, ventilação, delta pp, bis-entopia, delta sv, bnm, halogenados, e as demais variáveis. Eu vi a evolução da monitoração, equipamentos, fármacos e técnicas”.

Dr. Carrarreto acredita que eu deixará esse ambiente melhor do que encontrou. “Temos que estar de olhos voltados para o futuro, para os novos procedimentos. Independente da tecnologia, nunca esqueça do acolhimento e da empatia”.

Geração X, de 1970 a 1979, dr. Mauro P. Azevedo, diretor de de Eventos e Divulgação da Saerj, instrutor corresponsável pelo CET/SBA do Hospital Naval Marcílio Dias e membro da Comissão de Saúde Ocupacional da SBA.

A geração X representa os filhos dos baby boomers, mas não se engane em pensar que eles, pura e simplesmente, se inspiram em seus pais. Na verdade, o seu foco acaba levando em conta muito mais na lamentações dos seus antecessores do que qualquer outra coisa. Ao verem seus pais dedicando a vida inteira a uma única empresa, os novatos não herdaram o otimismo em relação às novas oportunidades sociais e políticas. “Para o baby boomers, o trabalho era tudo, mas para a minha geração, que foi moldada na época das revoluções política, cultural e sexual, a empresa já não era tudo, já se pensava em algo diferente”.

Essa geração passou por todo o período de evolução tecnológica e pelo surgimento e desenvolvimento dos meios de comunicação, além de desfrutarem de estabilidade (profissional e familiar) e estarem ativos (tanto fisicamente quanto mentalmente). Na época, de acordo com dr. Mauro, a anestesia era feita de forma muito arcaica, mas próxima do paciente.

Dr. Mauro destaca que a transformação foi tão grande que no fim daquela década nós já tínhamos um momento com diferente. “Você já tinha monitores em cada sala, um conhecimento técnico e científico muito maior, o que foi muito importante pois levou a anestesia, de um momento de terror e medo com alta probabilidade de acidentes, para uma especialidade extremamente segura”.

Geração Y, de 1980 a 1994, dra. Roberta B. Caldas, – TSA/SBA, presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado de Alagoas (Sael), médica anestesiologista da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, do Hospital Universitário Professor Alberto Antunes(HUPAA), intensivista AMIB e responsável pelo CET HUPAA

A Geração Y representa um divisor de águas, uma mudança de comportamento marcante, muito influenciada pelo contexto socioeconômico e cultural da época. Ela foi a primeira a ter contato mais direto com a tecnologia, pois nasceu pouco depois da criação da internet, que começou a dar os seus primeiros passos em 1969.

Por serem os primeiros a ter o computador e a internet como algo comum do seu cotidiano, eles passaram a dominar essas ferramentas com muito mais propriedade. Assim, a geração Y não usa a tecnologia apenas como lazer e diversão, mas sim porque tem necessidade de se comunicar e saber o que está acontecendo no resto do mundo.

Isso pode ser notado durante a apresentação da dra. Roberta. Mais do que trazer as suas referências e experiências, ela resolveu perguntar para 15 anestesiologistas sobre as dificuldades e expectativas do anestesiologista dessa geração.

Durante a pesquisa realizada, a médica conseguiu ter um parâmetro sobre as maiores dificuldades enfrentadas pelos anestesiologistas dessa geração, entre eles: mercado de trabalho, horas trabalhadas, baixa remuneração, pressão por anestesias simultâneas, falta de proteção quanto aos riscos profissionais (radiação, inalação, ruídos)​, falta de protocolos​ e alto nível de estresse no trabalho​.

Geração Z, 1995 a 2010, dr. Rodolpho Azzi Saidler,  médico, ME2 do CET Américas / Hospital Américas Medical City RJ.

Para os nascidos desta geração, as experiências de vida têm grande influência no tipo de trabalho que procuram e que consideram importante. Uma característica muito presente dessa geração é que, de forma geral, os jovens antecipam e simplificam muita coisa e possuem uma compreensão tecnológica apurada.

Parte da realidade dessa geração são os aplicativos, a comunicação por vídeo, e a conectividade com o mundo todo. São esses aspectos que os tornam adaptáveis a diferentes plataformas, o que pode ser uma vantagem para o mundo corporativo. “Somos natos da tecnologia, somos hiperconectados e a nossa informação é extraída online e instantânea. Nossa geração não se define e não gosta de ser rotulada”, explicou dr. Rodolpho.

O lado bom da nossa geração é pensar fora da caixa, o que traz a capacidade de resolução dos problemas, e, diferente das gerações anteriores, a atividade física é uma realidade, pois usam a saúde como uma válvula de escape. Dr. Rodolpho destacou que no mercado de trabalho a expectativa e estar “inserido no grupo com muita tecnologia disponível e condições de trabalho adequada”. 

Leia também:
> Palestras destacam o autocuidado como essencial para a qualidade de vida
> Revisão da Carta de Recife e pensamento coletivo são destaques no Siso
> Drogadição e anestesiologia são discutidas no Siso 2020
>Veja as 13 medidas para melhorar a saúde mental


“O suicídio é mais que um ato avulso”, dra. Michelle Nacur Lorentz 

Autora: dra. Michelle Nacur Lorentz 
Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria, em parceria com o Conselho Federal de Medicina, organiza o Setembro Amarelo, mês da prevenção ao suicídio. O objetivo é conscientizar a população sobre os fatores de risco para o suicídio e incentivar o tratamento dos transtornos mentais, principal responsável pelo comportamento suicida.

Em 2016, a Organização Mundial da Saúde estimou a taxa de 10,6 suicídios por 100 mil pessoas, com 80% ocorrendo em países de média e baixa renda. Cerca de 800 mil pessoas morrem ao ano em decorrência do suicídio, representando 1,5% de todas as mortes. As taxas de suicídio variam de acordo com idade e sexo, sendo mais altas entre os homens e idosos. Nos EUA representa a 10ª causa de óbito, sendo a principal causa entre jovens de 15 a 24 anos.

É importante destacar que o suicídio é mais que um ato avulso, é um processo que começa com pensamentos suicidas (ideação), seguido por um plano que pode ou não ser bem sucedido. Aproximadamente 160 milhões de pessoas expressam pensamentos suicidas. Para cada morte por suicídio, há 20 tentativas, totalizando anualmente 16 milhões de tentativas. No Brasil são registrados cerca de 12 mil suicídios ao ano. Trata-se de uma triste realidade que acomete principalmente os nossos jovens.

Cerca de 96,8% dos casos de suicídio são relacionados a transtornos mentais como depressão, esquizofrenia, abuso de substâncias e transtorno bipolar. Outros fatores predisponentes incluem tentativa anterior, abuso sexual na infância, história familiar de comportamento suicida e perda de um dos pais por suicídio na primeira infância.

Fatores predisponentes podem se associar a fatores precipitantes resultando em mudanças psicológicas, fazendo o indivíduo sentir-se sozinho, sem esperança e oprimido, o que, por sua vez, leva ao isolamento social, piorando o sentimento depressivo. Tais alterações psicológicas combinadas com acesso a meios letais, pode permitir o suicídio.

Dentre os fatores precipitantes, a vida estressante e eventos como dificuldades no relacionamento (particularmente separação do cônjuge), morte do parceiro e morte por suicídio de alguém próximo devem ser considerados. Outro fator precipitante seria receber um diagnóstico de uma condição médica crônica, particularmente nas primeiras semanas após o diagnóstico de câncer.

O risco de suicídio também é alto entre as vítimas de agressão e prisioneiros. Em nível populacional, desastres naturais podem agir como gatilhos para o suicídio. Paradoxalmente, os ataques terroristas parecem ser temporariamente proteção contra suicídio em populações expostas (maior coesão social pode ter explicado a menor taxa de suicídio em Nova York nos meses após os ataques de 11 de setembro de 2001).

Há relatos de aumento nas taxas de suicídio após o suicídio de uma celebridade. Fatores sociais, particularmente adversidades econômicas, podem impactar no risco de suicídio. Embora pessoas em profissões não qualificadas tenham maior risco de suicídio, profissões com acesso a meios letais para suicídio também apresentam altas taxas, como fazendeiros, enfermeiras, veterinários, médicos e policiais.

Há evidências de que anestesistas estejam em risco maior de cometer suicídio entre a classe médica, principalmente as mulheres. As teorias para essa evidência incluem o conhecimento e acesso a medicamentos potencialmente letais e seus meios de administração, estresse e tipos de personalidade dos médicos que escolhem a anestesiologia.

De 2001 a 2015 86% dos suicídios entre anestesistas foi por envenenamento, sendo 83% com fármacos anestésicos. História de depressão, eventos adversos na vida como problemas de relacionamento e financeiros figuram entre os fatores de risco acrescidos a estresse por bullying, demanda física e emocional alta, efeitos do envelhecimento, cansaço e longas jornadas de trabalho, provas e personalidade perfeccionista, além da relutância em buscar ajuda médica.

Dentre as medidas de prevenção destacam-se: estar ciente dos fatores de risco, sinais e sintomas. Procurar por ajuda profissional precoce. Procurar ajuda de familiares, colegas e amigos. Recomenda-se que aqueles profissionais com ideação suicida deveriam traçar um plano de segurança. Tratamento farmacológico para transtornos psiquiátricos deve ser feito idealmente com acompanhamento especializado.

Aproximadamente 160 milhões de pessoas expressam pensamentos suicidas.

No âmbito institucional as sociedades representativas estão atentas ao tema desenvolvendo ferramentas e guidelines cujos objetivos são: aumentar a consciência do suicídio e as vulnerabilidades associadas, fatores de risco e precipitantes, enfatizar modos seguros de responder a indivíduos em risco e seus colegas, dar suporte a esses profissionais e desenvolver departamentos e organizações para lidar com o suicídio.

É de extrema importância que todos entendam que depressão e outros transtornos psiquiátricos podem e devem ser tratados. Importantíssimo também estarmos atentos aos sinais de alerta que possam advir de alguns colegas e abordarmos com empatia, solidariedade e seriedade as pessoas em situações de risco para o suicídio mostrando a cada uma que estamos todos juntos.

Referências:
 1. Allan H. Ropper, M.D. – Suicide. N Engl J Med 2020; 382:266-74. 
 2. Schinde S, Yentis S M, Asanati K, Coetzee R H, et al – Guidelines on suicide amongst anaesthetics 2019. Anaesthesia 2020; 75: 76-10 

Artigo: Anestesia e sua capacidade de adaptação durante a pandemia

Autores: Regiane Xavier Dias, Guilherme H. Moura, Andre Luis Ottoboni

Por conta da pandemia, o ano de 2020 está sendo marcado por muitas mudanças no sistema de saúde com impacto socioeconômico significativo. A humanidade se viu envolvida em uma situação inimaginável e os profissionais de saúde na linha de frente deste caos.

Muitas perguntas sem respostas, problemas de comunicação com impacto nas medidas governamentais e no entendimento da população. Tomadas de decisão, cuja repercussão vêm causando incertezas e ansiedades. Neste cenário conturbado em que a comunicação tem se fortalecido como um fator fundamental, nossa especialidade percebeu que o escopo e as atividades estão em constante mudança e que haveria necessidade de se reinventar.

Práticas de segurança relacionadas ao uso de equipamentos de proteção, técnicas de assepsia e preocupação com infecção hospitalar que já eram tópicos abordados constantemente pela especialidade, tornaram-se assunto indispensável durante o atendimento do paciente suspeito pela infecção Covid-19.

Contudo, profissionais cuja especialidade é voltada à interação com o paciente de forma temporária, pontual, para um determinado procedimento, foram expostos a um ambiente não tão desconhecido, mas um tanto hostil, a unidade de terapia intensiva (UTI).

Enfrentando seus medos em prol das necessidades e do propósito, os anestesistas começaram a colocar em prática o cerne da sua expertise. Em consequência da formação, os anestesistas são os profissionais que mais se aproximam dos intensivistas, tanto pelo conhecimento no cuidado de pacientes críticos, quanto para a realização de procedimentos, como intubação e manejo de dispositivos vasculares.

Mesmo com todas essas semelhanças, o ambiente não era totalmente confortável. Muitos pacientes graves, o medo da doença em si, atenção redobrada, manejos dos quais não estávamos habituados, porém, independente de todas essas dificuldades, tínhamos a certeza de que a vontade, perseverança e resiliência iriam sobressair.

Com este espírito, iniciamos os trabalhos nas UTIs de diversos hospitais, tanto naqueles em que já frequentávamos o centro cirúrgico, quanto em outros que precisavam da nossa ajuda. Na maior parte das vezes, fomos recebidos por profissionais médicos que nos apoiaram e por uma equipe multiprofissional solícita. Todas as adversidades foram ultrapassadas em conjunto e se tínhamos alguma dúvida sobre a força do trabalho em equipe, esta desvaneceu ao longo destes meses de convivência.

As práticas de segurança tão protocolares deixaram de ser um fator de desacordo e o contato com o paciente e seus familiares efêmero, colocando-nos diante de um papel primordial como interlocutores, principalmente em um momento em que empatia e compaixão nunca foram tão valorosos.

Em um primeiro momento, tivemos a percepção que estávamos entregando muito frente a tanto risco e hesitação. Não fazemos ou fazíamos ideia do ganho pessoal e espiritual que tivemos a oportunidade de vivenciar. Questões técnicas, não técnicas, informação, comunicação, trabalho em equipe, foco no paciente e, sobretudo, o cuidado pessoal foram alguns dos elementos em que todos, cujo cerne do trabalho é a qualidade e segurança, estiveram envolvidos no momento mais crucial da pandemia.

A Segurança como uma das dimensões mais importantes da Qualidade mobilizou diversas áreas dos hospitais, incluindo a Anestesia, com a finalidade de que protocolos sobre fluxo operacional, utilização de EPIs, manejos ventilatório e de via aérea fossem constantemente atualizados e divulgados em canais de comunicação efetivos.

Contudo, não eram apenas questões técnicas, da rotina profissional que precisávamos ter atenção. Aspectos relacionados ao cuidado centrado na pessoa foram fundamentais para que pudéssemos nos sensibilizar com o outro e procurar meios de superar nossas próprias ansiedades.

Com base em todas essas premissas, imaginamos que o melhor método para compartilhar experiências, angústias e incertezas era através dos relatos dos profissionais que estiveram à frente do combate à esta pandemia.

Através de histórias emocionantes pudemos nos identificar e todo o ambiente, conflito e sentimento foram transmitidos de forma única.

Por exemplo, de acordo com o relato da dra. Ana Paula Souza Vieira dos Santos, anestesiologista há mais de 20 anos, o grande desafio era não ser controlada pelo medo. “Quando tudo isso começou, senti muito medo. O que eu faria? Na verdade, o que faríamos? Exatamente o que estamos fazendo: cuidar das pessoas. Fomos com medo misturado à coragem”.


Para a dra. Talitha Gonçalez Lelis, resiliência é uma das palavras que melhor resume o período atual. “Desafios não faltam nesses tempos na UTI: aceitar o inevitável, sentir que não desistir pode significar a vitória da vida e aprender sempre! Cada dia é um dia diferente, oscilando entre tristezas e alegrias. Penso que somos privilegiados por termos nos reinventado numa situação inédita em nossa profissão e no mundo.”


O dr. Rômulo Augusto da Silva Batista reforçou a necessidade da persistência em um cenário de dúvidas e incertezas. ”Assim seguimos, nos equilibrando nesse paradoxo da morte personificada que ora nos cobra objetividade, ora nos congela, mais por meios do que por fins, mais por um caminho, do que por um objetivo em si, mais por uma missão, do que por uma obrigação”.

Estes e tantos outros relatos que pudemos ler e ouvir, reforça o sentimento de que esta pandemia pode ter nos tirado da zona de conforto e nos incitado a superar nossas capacidades, mas acima de tudo está nos proporcionando a oportunidade de recriarmos nós mesmos e ressignificarmos nossas vidas