Um olhar mais detalhado sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em anestesia

Luis Antonio Diego

A Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 2.174/2017, mais precisamente no Anexo I, determina que “o médico anestesista deve obter o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) específico para a anestesia, contendo informações e esclarecimentos acerca das técnicas de anestesia, vantagens e desvantagens e riscos associados, fazendo-o em linguagem clara e acessível aos pacientes. Deverão existir no Termo de Consentimento campos específicos para assinatura do paciente ou responsável, data do consentimento, assinatura e nome legível do médico anestesista”. As Resoluções do CFM são normas publicadas no Portal Médico do CFM[1], baseadas em boas práticas e aprovadas em plenária, e devem ser rigorosamente cumpridas pelos médicos. Assim, o anestesiologista deve conhecer melhor o significado, a importância e a aplicação prática do procedimento. Algumas peculiaridades sobre o TCLE, se mais bem explicitadas, poderão facilitar sua apresentação, pelo anestesiologista, a seus pacientes e/ou familiares, principalmente, com maior entendimento e propriedade.

O TCLE deve ser entendido não como um “simples evento” no qual o profissional apresenta um documento a ser firmado pelo paciente depois de um – muito comum – “doutor, o senhor é quem entende…” e, quando muito, uma leitura rápida. Essa prática deve ser desencorajada, e os responsáveis por essa tarefa somos nós mesmos. Mas como fazer? O primeiro movimento é a compreensão de que o TCLE não é um “simples evento”, mas um processo de efetiva comunicação entre o paciente/familiar e o profissional que permitirá que este cuide daquele durante um procedimento que, na maioria das vezes, lhe é pouco usual. 

Assimilado que o TCLE é uma oportunidade única de comunicação – e, em algumas ocasiões, esse “única” não é metafórico antes da anestesia –, o anestesiologista deve se empenhar em fornecer as “informações e esclarecimentos acerca das técnicas de anestesia, vantagens e desvantagens e riscos associados”, como citado no já referido Anexo I. Nesse sentido, deve-se considerar a busca da autorização ativa do paciente, e não apenas a concordância passiva do tipo “o senhor é quem sabe”. A autorização ativa é que vai determinar a validação moral do TCLE, muito importante para a relação médico-paciente e para o fortalecimento do próprio documento que, uma vez firmado, terá também validação legal.

Tratando-se do TCLE e de sua validação moral, há que se considerarem alguns aspectos. O primeiro deles a ser observado é a capacidade de o paciente/familiar entender o que lhe foi explicado. O Anexo I corrobora esse aspecto ao solicitar uma linguagem “clara e acessível”. Deste modo, o anestesiologista deve ter a sensibilidade de perceber o grau de entendimento do paciente que ele vai assistir e esforçar-se para que ele tenha a melhor compreensão possível do documento. Outro aspecto indispensável é a inequívoca voluntariedade da decisão. Não deve haver dúvidas a respeito do que está sendo proposto, e a qualquer sinal de insegurança por parte do paciente, o anestesiologista deverá ser ainda mais claro e, caso o paciente ainda permaneça inseguro, o adiamento do procedimento deve ser sopesado junto com o time perioperatório. Por esse motivo, para uma real assimilação dos possíveis riscos e das reais vantagens, o TCLE deve ser, preferencialmente, apresentado no momento da consulta pré-anestésica realizada previamente à internação, no ambulatório. Uma vez apresentados os elementos de informação sobre o procedimento anestésico-cirúrgico, o anestesiologista deve assegurar-se da compreensão do que foi explicado e recomendado.

A relação risco-benefício do procedimento cirúrgico programado também é um fator importante na prática da obtenção do TCLE e deve ser correlacionada com a capacidade do paciente em consentir. Naqueles procedimentos com relação risco-benefício favorável, a decisão em aceitar sua realização não observa uma dificuldade maior na obtenção do TCLE. Entretanto, havendo recusa do paciente, o anestesiologista deve esclarecer as vantagens da técnica por ele sugerida de maneira bem destacada.

Deve-se ter o mesmo empenho quando, ao contrário, o risco-benefício é desfavorável e o paciente manifesta uma aceitação fácil e carente de ponderação; ele deve estar consciente dos riscos. Não se devem utilizar, em hipótese alguma, subterfúgios para uma aprovação imediata, mas uma genuína vontade de explicar ao paciente as reais vantagens de um procedimento anestésico em relação a outro para determinada cirurgia.

Em princípio, todo esse cuidado na obtenção do TCLE parece ser longo e difícil. Entretanto, a prática contínua de um método que se aprimora com a experiência vai encurtar todo o processo e, seguramente, trará benefícios para o paciente, os familiares, a instituição e nós mesmos, profissionais.


[1]Portal Médico do CFM.  Buscar Normas CFM e CRMs. Acesso em 18/1/2022.